sábado, julho 11

A "REALIDADE" DA IMAGEM DOCUMENTAL

Ciclicamente, acordam as polémicas sobre a "verdade fotográfica". Desta vez, foi a propósito de EDGAR MARTINS, o fotógrafo vencedor da edição de 2008 do BESPHOTO.

Sabendo todos nós que não existe qualquer verdade absoluta no facto de se escolher um pequeno fragmento do espaço-tempo, e transformá-lo numa imagem planificada, é no entanto, convenção geral que deva haver uma ética a respeitar quando essa mesma imagem tem uma função específica. No caso, a função de informar ou documentar um determinado local e/ou acontecimento.
Visto assim, esta problemática parece-nos linear. Pois se esta convenção é geralmente aceite, resta-nos aplicar a devida ética, e estará a questão encerrada... Ou não...

Quanto à ética em questão, comecemos pelo princípio: no campo da fotografia jornalística e/ou documental, é considerado um erro do ponto de vista da ética, a realização de alterações na imagem que lhe modifiquem totalmente a ligação com o fragmento de realidade que a gerou...
Quererá então isso dizer que, qualquer alteração ao nível da cor (uma das características fundamentais do fragmento de realidade que dará eventualmente origem à imagem) será à partida, uma alteração inaceitável do ponto de vista da ética fotográfica? Se considerarmos que sim, então teremos que nos perguntar: e as imagens em preto e branco?

Como vemos, a questão não será assim tão simples... O problema, começa por ninguém saber muito bem, onde deveremos colocar a fronteira que definirá onde acaba uma imagem "não manipulada" e começa uma outra que o foi ostensivamente. Mas podemos estabelecer alguns compromissos nesse campo... Assim, convém primeiramente que nos certifiquemos se a discrepância entre a imagem e a realidade que a criou, é uma discrepância aceitável (porque facilmente decifrável por todos) ou se, pelo contrário, será passível de induzir em erro o espectador, porque, desprevenido, acreditará na "realidade" da imagem que vê... E há ainda a questão do uso manipulativo da própria ética. Uso esse que leva, por exemplo, a que se considere como inválido, o trabalho de um determinado autor (ou autores) que não nos agrade...

Voltando então ao caso que deu origem a este texto (e que se encontra descrito no nº 1 do link colocado em rodapé) parece-me estarmos perante um típico caso de manipulação da manipulação... E porquê? Como se poderá ver no nº 2 do mesmo link, há uma imagem pretensamente (pelo menos para algumas pessoas) documental, mas que foi ostensivamente manipulada. Uma manipulação, aliás, evidente, embora discreta.

O que podemos inferir (à luz da ética acima descrita) das intenções do autor desta imagem? Terá EDGAR MARTINS, pretendido ludibriar o espectador, manipulando a imagem? Ou simplesmente, e seguindo um conceito defendido pelo próprio (IN: 2) terá este autor tentado transmitir uma ideia pessoal, ou, por outras palavras, terá tentado emitir uma opinião?

Sendo considerada de carácter jornalístico/documental, será que esta série (realizada a convite do "New York Times", que consistiu em fotografar 19 cidades nos Estados Unidos da América) poderá ser considerada uma reportagem noticiosa, ou, em vez disso, uma crónica de opinião, outro género igualmente válido em jornalismo, e tão divulgado quando se trata de jornalismo escrito? Penso que a confusão, e consequente polémica encontra-se neste pequeno/grande pormenor...

Vejamos a tão polémica manipulação das imagens, que o autor não nega, mas justifica precisamente como tendo como finalidade, "comentar". Diz-nos então EDGAR MARTINS (IN: 2):
"Sabia que ia desafiar as convenções do jornalismo. Eu não fui para observar, fui para comentar". E ainda: "Não foi uma alteração para servir a estética. É uma mensagem que eu quero passar da dualidade entre a aspiração e o excesso, a ruína e a decadência". Portanto, estaremos perante uma crónica...

Mas pergunte-se agora: os editores do New York Times não sabem distinguir estes géneros? Pelos vistos, o que aconteceu foi que
não detectaram "as alterações nas fotografias" e por isso, "não gostaram de saber destas alterações (...) até porque o trabalho tinha sido anunciado como puramente documental". Um erro de atenção portanto, uma vez que as ditas alterações são óbvias, embora discretas (mais uma vez, como se poderá constactar em imagem no nº 2 do link em rodapé). Por outro lado, o fotógrafo que denunciou as referidas alterações, "acabaria por ficar famoso"...

Por aqui se vê então, aquilo a que classifiquei no início deste texto, como sendo um exemplo de uso manipulativo da ética.

Mas toda esta polémica, não se deve cingir a este caso... Como muito bem é referido no nº3 do link abaixo, todo este "fundamentalismo" não terá em consideração que algo está "a mudar no fotojornalismo internacional". Num outro artigo do mesmo Blog, fala-se mais concretamente dessa mudança, a propósito da última edição da exposição WORLD PRESS PHOTO em Portugal. (O link para esse artigo, encontra-se igualmente em rodapé).

Fala-nos o autor do referido artigo, que a certa altura, "não distinguimos se estamos a ver imagens de jornalismo, ou se estamos em qualquer galeria".
Do ponto de vista da estética contemporânea, portanto, temos uma grande coincidência entre o que classificamos normalmente como uma fotografia de arte, e uma outra destinada a transmitir uma qualquer informação.

Então como distingui-las? Deverão as fotografias destinadas ao jornalismo ser mesmo diferentes das destinadas à arte? Se sim, diferentes em que aspectos?

Por um lado, temos que ver que, não deve ser sinónimo de bom fotojornalismo, a realização de imagens esteticamente pobres ou desenquadradas dos cânones contemporâneos. (Tal como, no caso do jornalismo escrito, escrever mal ou em linguagem arcaica, não poderá ser sinonimo qualidade). Além disso, a aproximação entre imagem de carácter documental e a imagem de galeria, deu-se a partir de ambos os géneros. Ou seja: não foi só a imagem dita documental que se aproximou da imagem de galeria, mas igualmente esta segunda, que se aproximou da primeira.

Portanto, estamos perante um esbater de fronteiras...
Será então, este esbater de fronteiras uma forma de "ludibriar" o espectador, ainda que de forma indirecta e não particularmente intencional? Sim e não...

Sim, se a intenção fosse apresentar uma imagem de uma qualquer reportagem, levando o espectador a julgá-la como sendo uma criação artística. Não, se essa mesma imagem for devidamente contextualizada.

Portanto, estamos perante uma questão de contexto, ou de definição de fronteiras... Precisamente o ponto onde ninguém se entende...

Acontece porém, que hoje em dia, já ninguém acredita que uma imagem, seja ela fotografada ou filmada, represente textualmente uma determinada realidade. No meio de tanta descrença na "veracidade" da imagem, há até quem caia no exagero de considerar como sendo esta sempre enganosa e a todos os níveis.

Conclui-se portanto que, o que os teóricos da imagem não conseguem resolver de forma definitiva, resolvido está pelo observador comum...
"É tudo uma mentira pegada!"... E está o problema resolvido. Surgem assim, as "teorias da conspiração", e está relançada a confusão (que a fotografia digital veio reacender, como se a mesma manipulação não fosse possível sem ela).

Literacia fotográfica precisa-se!



SOBRE EDGAR MARTINS (1) (2) (3)
SOBRE O WPP EM PORTUGAL

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